domingo, 14 de junho de 2009

A arte de andar pelo centro de Ribeirão

O centro de Ribeirão, naquela época, pra mim, era o umbigo do mundo. Menina de vila, de beira de brejo, eu o alcançava sempre a pé, subindo a ladeira da rua Guatapará. O rio ainda dava peixe por ali, e era com esforço que eu chegava à Saldanha Marinho, suas vendas, seus armarinhos. Percorria-a em manhãs infinitas, e meus pés sempre me levavam a atravessá-la, entrando na Campos Sales em direção à Amador.
Na Amador, amado meu, primeiro amor, platônico deveras, morava, por ali, nas imediações, em uma república de estudantes. E lá estava eu, em meio a ela, Amador Bueno, ele ao meu lado, e ela descortinando-me o frescor de suas árvores debruçadas sobre os dois lados da calçada. Meus olhos detinham-se pelos avarandados das casas de família, sim, a Amador Bueno era uma rua residencial naquele tempo, deliciavam-se com seus gatos pachorrentos, espaçados ao sol, tal qual na imagem do Bandeira. Pelas janelas entreabertas segredos se escondiam, mas a luz da manhã só me possibilitava pressentir o cheiro do molho da macarronada de domingo, que atiçava a fome de minhas narinas.
Ali, na Amador, eu sonhava morar, embalada aos sons do piano da casa da professora, em cuja porta eu passava, desejando adentrá-la. Encontraria ali um velho piano cujas teclas eu roçava na minha imaginação, enquanto pressentia as mãos do primeiro amor que nunca me tocaram.
Mas isso foi num dia, em outro, sozinha, de repente, um susto. Quinzinho surgia do nada, correndo atrás de mim, eu atravessava a calçada, ligeira, pernas pra quem te quer. Quando dava por mim, já estava na Florêncio, deixando o velho menino pra trás. Aí meus olhos descortinavam a Catedral que surgia imperiosa, mergulhada na sombra de suas árvores centenárias. Era primavera e as flores coalhavam as calçadas, causando-me arrepios na espinha. Que vontade de deitar ali, mas seguia em frente, invejando os namorados que se beijavam, esquecidos do lugar.
Logo alcançava a Visconde, mirando o palacete na esquina da Américo com seu lustre que me olhava da janela, faiscando na manhã dourada. Descendo a velha Visconde, chegava na Praça Quinze, comprava um selinho na Tabacaria Sampaio, seguia em rumo reto até a Álvares Cabral e penetrava no reino mágico de seu Güerino. Folheava Garcia Marques e seus anos de solidão, o Drummond e seu Claro Enigma, mas era hora de voltar, e voltava, com as mãos abanando pra Vila Virgínia. Era um outro século, uma outra época, esses passeios começavam na Saldanha e hoje vêm dar no meu coração.

Texto de Vera Lúcia Rodella Abriata publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07

Um comentário:

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