segunda-feira, 15 de junho de 2009

TEXTO DE SANTIAGO GAMBOA

Tradução livre de Luiz Augusto Michelazzo
É o único tema em que sou radical e intolerante, no qual não escuto argumentações.
As mulheres da minha geração são as melhores, ponto.
Hoje têm quarenta e picos, inclusive cinqüenta, e são belas, muito belas, porém também serenas, compreensivas, sensatas e, sobretudo diabolicamente sedutoras, isto, apesar dos seus incipientes pés-de-galinha ou desta afetuosa celulite que caprichosamente invadem suas coxas, mas que as fazem mais humanas, mais reais.
Formosamente reais
Quase todas, hoje, estão casadas ou divorciadas, ou divorciadas e recasadas, com a intenção de não se equivocar no segundo intento, que às vezes é um modo de acercar-se do terceiro e do quarto intento.
Que importa?
Outras, ainda que poucas, mantém um pertinaz celibatarismo e o protegem como a uma fortaleza sitiada que, de qualquer modo, de vez em quando abre suas portas a algum visitante.
Nascidas sob a era de Aquário, com a influência da música dos Beatles, de Bob Dylan, de Lou Reed, do melhor cinema de Kulbrick e do início do bom latino-americano, são seres excepcionais.
Herdeiras da revolução sexual da década de 60 e das correntes feministas, que entretanto receberam passadas por vários filtros, elas souberam combinar liberdade com coqueteria, emancipação com paixão, reivindicação com sedução.
Jamais viram no homem um inimigo, apesar de que lhe contaram umas quantas verdades, pois compreenderam que se emancipar era algo mais que colocar o homem para esfregar o banheiro ou trocar o rolo de papel higiênico, quando este tragicamente se acaba, e decidiram pactuar para viver em dupla, essa forma de convivência que tanto se critica, porém, que com o tempo, resulta ser a única possível, ou a melhor, ao menos neste mundo e nesta vida.
São maravilhosas e têm estilo, mesmo quando nos fazem sofrer, quando nos enganam ou nos deixam.
Usaram saias indianas aos 18 anos, enfeitaram-se com colares andinos, cobriram-se com suéteres de lã e perderam sua parecença com Maria, a Virgem, em uma noite louca de sexta-feira ou de sábado, depois de dançar El raton, de Cheo Feliciano, na Teja Corrida ou em Quebracanto, com algum amigo que lhes falou de Kafka, de Gurdjieff e do cinema de Bergman.
No fundo de suas mochilas havia pacotes de Pielroja, livros de Simone de Beauvoir e fitas de Victor Jara, e ao deixar-nos, quando não havia mais remédio senão deixar-nos, dedicavam-nos aquela canção de Héctor Lavoe, que é ao mesmo tempo um clássico do jornalismo e do despeito, e que se chama:
“Teu amor é um jornal de ontem”
Falaram com paixão de política e quiseram mudar o mundo, beberam rum cubano e aprenderam de cor canções de Silvio Rodriguez e Pablo Milanez, conheceram os sítios arqueológicos, foram com seus namorados às praias, dormindo em barracas e deixando-se picar pelos pernilongos, porque adoravam a liberdade e, sobretudo, juraram amar-nos por toda a vida, algo que sem dúvida fizeram e que hoje continuam fazendo na sua
formosa e sedutora madureza.
Souberam ser, apesar da sua beleza, rainhas bem educadas, pouco caprichosas ou egoístas.
Deusas com sangue humanos
O tipo de mulher que, quando lhe abrem a porta do carro para que suba, se inclina sobre o assento e, por sua vez, abre a do seu acompanhante por dentro.
Por isso, para os que nascemos entre as décadas de 40 e 60, o dia da mulher é, na verdade, todos os dias do ano, cada um dos dias com suas noites e seus amanheceres, que são mais belos, como diz o bolero, “quando está você”.
Que belas são por Deus, as mulheres da minha geração!

Geometa

Trabalho desenvolvido em 2000 para o Marciano, geólogo e grande amigo.

Florbela Espanca

Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

Pablo Neruda

Saudade
“...Saudade é solidão acompanhada,
É quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Saudade é amar um passado
que ainda não passou,
É recusar um presente que nos machuca,
É não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe
o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
É a dor dos que ficaram para trás,
É o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
Aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos:
Não ter por quem sentir saudade,
Passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido...”

Achados & Perdidos

Como e onde encontrar o que resta da alma de Ribeirão.
Uma certa unanimidade aponta o Pinguim como o grande ponto da gastronomia de Ribeirão Preto. Não há como questionar o charme desse septuagenário bar-restaurante-choperia, mas é indiscutível que lhe falta alguma coisa. Impossível saber se foi simples extravio ou perda definitiva.
Parece que o tempo conseguiu prender no Quarteirão Paulista apenas um pedaço da alma da velha capital do velh’oeste brasileiro. O resto está espalhado pela cidade. Num simples giro pelo centro é possível juntar alguns fragmentos dessa lenda brasileira.
A cidade precisava dar uma parada no seu crescimento. Volta-se ao centro em busca de uma referência que nos linque com o passado, mas os detalhes se apagam a cada reforma e a gente como que perde o fio da meada nesse emaranhado de fios e fachadas mutantes.
Sobrou a praça, reduto de frescor e serenidade. E resta o Pedrão solene com sua estatura de cimento, mas nem ele com sua clássica sobriedade é capaz de absolver os que deixaram a Estrela d’Oeste apagar-se na queima impune do Cerrado Paulista.
Sem chorar, baixe os olhos e preste atenção nos paralelepípedos que cobrem o chão generoso do espaço entre a praça e o teatro. Foram colocados aqui há 100 anos, são os patronos de um plano diretor que jamais se concretiza. Por pouco não foram cobertos pelo manto negro do progresso. Salvou-os uma turma de saudosistas.
Algumas poucas pedras centenárias ficaram expostas para embalar as caminhadas e sustentar conversas fiadas.
Lembre-se: não importa qual seja o palocci de plantão na cadeira de prefeito, quem manda na cidade são os cupins, as lesmas e os chopins. As andorinhas são testemunhas.
Mas veja que nem tudo se perdeu. Repare quantos bares põem cadeiras nas calçadas e sinta se aí não está presente um pedacinho da alma da cidade.
Sim, a beleza mora na simplicidade. A riqueza, na diversidade.
Esse brilho fugaz no rótulo úmido das garrafas suadas, esse raio fúlgido no colarinho generoso dos copos de cerveja, essa fartura nas porções que enfeitam as mesas -- carne seca, queijo provolone, filé no palito e lambari frito...Tudo isso são cacos brilhantes daquela alma varonil que se extraviou na poeira e na lama de tantas temporadas.
Nesses bares, nessas mesas simples o povo brinda o trivial sem maiores ilusões. Sente-se, peça uma também. Sozinho ou acompanhado, saúde a memória dos que criaram, mantiveram e freqüentaram os grandes pontos da gastronomia e da boemia ribeirãopretana, esconderijos onde a alma de Ribeirão busca refúgio. Beba e você verá que mesmo de porre um filho teu não foge à luta. Complete a lista:
Cassino Antarctica
Lanches Paulista
Caneca de Prata,
Três Garçons,
Restaurante Jangada,
Chopão
...
Texto de Geraldo Hasse publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07