sexta-feira, 29 de maio de 2009

A Rua Quintino e seus arredores

No final da década de 50, início da de 60 do século passado, na minha infância, eu morava na Quintino Bocaiúva, 160, entre as ruas São José e Garibaldi, onde hoje é o Banco Itaú.
Na esquina da São José com a Quintino, morava o Sr. Tonico Serra, proprietário de seis sobradinhos geminados, construídos ao lado de sua casa, alcançando a metade do quarteirão. No penúltimo, morava eu, no último moravam o Sr. Luiz e a Dona Lola, pais do arquiteto Ijair Cunha, no próximo morava a família Foresti, em seguida o engenheiro Carlos Chaves e na esquina o Roberto Degani, grande jogador de basquete. Em frente morava o Miguel Marcio Egidio dos Santos, também jogador de basquete e nadador, ao lado o Dr. Manoel Gabarra e na esquina da São José morava uma baixinha chamada Luísa que trabalhava no Correio.
Nas calçadas dos dois lados, havia árvores de uma espécie muito frondosa que produziam cachos de bolinhas, munição para as nossas guerras.
Uma vez no ano, talvez em julho, nas férias, as árvores eram totalmente podadas, e a galharia esperava por uma semana nas calçadas para ser retirada pela prefeitura.
Aí, era uma festa, a molecada construía enormes cabanas com esses galhos. Passávamos o dia todo brincando de índio e, se as mães permitissem, dormiríamos lá.
Outra curtição era na época das chuvas, quando grandes enxurradas desciam pelas ruas Marcondes Salgado, São José e Gari-baldi. Éramos heróis enfrentando a forte correnteza.
Eu fazia o primário no 1º Grupo Escolar Dr. Guimarães Junior, onde foram minhas professoras a Dona Mercedes, Dona Dativa, Dona Elza Braga e Elza Roseli.
Certa feita, havia uma sessão de fotos, aquelas em que o aluno senta-se a uma escrivaninha simulando escrever com caneta tinteiro, e tem um mapa atrás de si.
Era muito frio, tínhamos que tirar a blusa de lã para que aparecesse o bolso esquerdo onde eram bordadas as iniciais do nome da escola em azul-marinho sobre a camisa branca.
Na camisa de um aluno, a linha azul desbotou manchando o bolso e até a camisa. Na hora da foto, estabeleceu-se o impasse. Professora e fotógrafo discutiam como resolver a questão, como esconder o borrão?
Foi quando o futuro goleiro Emerson Leão, para nós o Merção, tirou sua camisa e a emprestou ao colega, permanecendo nu enquanto se fazia a foto, para nossa surpresa e admiração. Talvez por ser gordinho ele não sentisse tanto frio como nós.
Outro amigo deste tempo foi o Antonio Mauro Marinho, o popular Torrão. Era forte, bom de briga. Uma vez, na saída da escola, arrumou uma briga que começava no Guimarães Jr. e se estendia até o Otoniel Mota. Acho que a escola toda brigou nesse dia.
Fomos colegas também na escola de datilografia Divinal, na Cerqueira César, pra cima da General Osório. Naquele tempo, saber datilografia era tão importante quanto é hoje saber lidar com computador.
Um dia, terminada a aula, subíamos a Cerqueira César. Na esquina da Américo Brasiliense havia uma padaria cuja lenha ficava empilhada na calçada. Ao passar pela pilha, Torrão pegou uma tora e a colocou no ombro. Não disse sua intenção, mas quase chegando à esquina havia uma casa antiga, dessas com porão e janelas no alto. Ele simplesmente arremessou a tora para dentro da janela da sala. Quando ouvi o barulho e percebi o que ele fizera, corri, sem olhar para trás, por uns três dias.
A vantagem de ser amigo do Torrão era que os moleques mais fortes não nos ameaçavam, a desvantagem era que ele abusava da força física nas brincadeiras com os colegas: era tapa na orelha e bico na canela o dia todo.
À tarde, íamos nadar na Recreativa. O portão da rua Bernardino de Campos, em frente à praça Camões, abria às 15 horas, momento em que era grande a aglomeração ali. Ficávamos na piscina até as 17h e 45m, quando batia o sinal para encerramento das atividades na piscina. Tínha-mos que driblar a vigilância do Seu Chico que não deixava criança nadar na piscina grande, a olímpica, profunda. A nós, só era permitido nadar no “cochinho”. Nessa época, o Nelson Linhares, após tomar alguns “caldos”, resolveu tornar-se um dos maiores nadadores do país.
O ginasial fiz no Marista, o reitor era o Irmão Osvaldo Colombo, o Irmão Rui dava aulas de francês, o Irmão Virgílio, além de professor, cuidava também da livraria. Havia professores não padres, o Edimilson, que dava aula de desenho, e o professor Pozini, que lecionava português.
Um colega, o Laurindo Vinhas, certa feita pulou do 1º andar com um guarda-chuva aberto, para ver se funcionava como paraquedas. Acabou se estatelando no jardim.
No domingo à noite, o pai levava a família para comer pizza na Cantina 605, que ficava na Amador Bueno 605, esquina com Florêncio de Abreu, onde hoje é o Banco Santander. Acho que só havia pizza de mussarela, mas o guaraná Antárctica era delicioso.
Tudo isso acontecia dentro dos limites do quadrilátero em questão. A gente nascia, crescia, estudava, trabalhava, se divertia por anos, sem quase sair dos limites das quatro avenidas.
Em 1965 mudei para a rua Nélio Guimarães, no alto da Boa Vista, mas esta é outra história, para o próximo Guia, o do Alto da cidade.

Texto de Luiz Sergio Von Gal de Almeida publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Jul 08