segunda-feira, 29 de junho de 2009

A Bandeira que carrego no peito

A Praça da Bandeira era linda, acredite. Eu passava por lá quase todos os dias da minha infância e juventude. Para nós era a praça da Catedral. Lá ficava a Livraria Católica, a Casa Glória, o Foto Miyasaka, o Diário de Notícias. Do outro lado, a Faculdade de Farmácia e Odontologia e a Gruta Gelada, que vendia refrescos gaseificados, deliciosamente espumantes, feitos na hora.
Cortada ao meio pela Rua Florêncio de Abreu, a parte de baixo da Praça da Bandeira era a mais bonita, mais cheia de árvores e pássaros. Cercada de majestosas palmeiras imperiais – como as que ainda enfeitam a Avenida Jerônimo Gonçalves –, havia uma profusão de bancos para sentar, ler e namorar, sem sujar a roupa. Ninguém sentava no encosto do banco e metia os pés no assento. Quebrar um banco? Nem pensar! Havia respeito e, como garantia do respeito, um guarda. Farda caqui, cassetete de madeira e pouca tolerância com moleque malcriado, cada praça tinha seu guarda pago pelo Município. Os bancos ficavam inteiros, ninguém pisava na grama e ai de quem metesse os pés no assento.
Na parte de baixo, na Rua Tibiriçá, havia um recanto cercado de figueiras bravas, com uma fonte e um laguinho. Era meu preferido, quando dava o cano do ginásio da Associação de Ensino. A escola ficava na Rua Américo Brasiliense, onde foi depois a Ceterp e hoje há uma agência da Caixa. Matando as aulas pagas pelo meu pobre pai, conversava fiado com os companheiros de vagabundagem, no geral o Gama, o Bilico, o Edmilson Leão – irmão do goleiro da Seleção que hoje é técnico do Corinthians.
Na esquina, Tibiriçá com América Brasiliense, ficava estacionado um carrinho de sorvete do Bernardino. Era pilotado pelo seu Antônio – nunca soubemos o sobrenome – que a gente chamava de Véio. Gozador malicioso e piadista, era amigo de todo mundo, mas não vendia fiado nem para o Capeta. O Véio Antônio não usava dessas conchinhas de bola para encher as casquinhas. Tirava o sorvete com uma colher de sopa, era mais generoso com as porções dos amigos e fazia comentário malicioso quando algum incauto pedia que enfiasse – o sorvete, claro – bem no fundo: “Ah, ele quer que enfie bem no fundo, he, he, he”. E a gente uivava...
Deus queira que Véio esteja vivo, mas tenho cá comigo que ele já se foi. Assim como já foram o Filhinho, o Eulisses e o Mário, da barbearia Smart, na Barão do Amazonas, o Toni Miyasaka, o “padre” Celso, diretor do Diário de Notícias, o bispo Mousinho e a dona Anna, minha santa mãe, que amava o centro da cidade e, particularmente, a Praça da Bandeira. Também já reduziram a pó o palacete de 12 janelas da Barão do Amazonas com Americano Brasilense, os casarões da gente fina que cercava a Praça e foi-se ao vento nossa infância querida, que os anos não trazem mais.
Ficou esse arremedo de logradouro que chamam agora – erradamente – de “praça das bandeiras”: um pavoroso depósito de merda de pombo, tomado por posseiros urbanos e barracas sujas de plástico azul. Gente que, com a incompetência ou cumplicidade da autoridade pública, loteou para si um espaço pertencente aos 550 mil habitantes de Ribeirão Preto.
Sei que o tempo não regride, que a infância não volta e tampouco os mortos ressuscitam. Isso passou. Mas, quanto à Bandeira, não abro mão:
Quero de volta minha Praça querida!, pois que a praça era do povo!
Texto de Luiz Augusto Michelazzo publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07

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