terça-feira, 26 de maio de 2009

Meu Quintal

Quando a gente mudou pro alto da cidade (em 1963 era assim que chamavam o Sumaré), aquilo ali era o fim do mundo.
Meu pai plantou um sobrado no meio de um pasto, garantindo assim uma das suas diversões prediletas, jogar pedra nas vacas que insistiam em pastar no nosso gramado, naquele tempo as casas não tinham grades, nem muros, só portas e janelas.
Era um pasto imenso, com pouquíssimas ruas de terra riscadas naquele imenso lugar nenhum. O único asfalto existente era o surreal balão do Sumaré. A única cerca no pedaço, de arame farpado, cercava o seminário dos padres, com seus pomares, suas árvores, seus 2 campos de futebol onde grandes clubes da capital, virava e mexia, vinham treinar em suas visitas a cidade.
Nestes campos de futebol, um pedaço do mundo passou pela porta da minha casa. Teve circo, teve parque de diversão com montanha russa, teve show de música, teve um pedaço enorme da minha vida.
E essa vizinhança, tão minha, foi sendo, ano após ano, desesperadamente invadida.
Asfalto na rua, em uma pista da avenida, nas duas pistas da avenida, em todos os caminhos de terra.
Vizinhos aos montes. No começo, só residências de alegres famílias começando a vida no então bairro chique da cidade.
Lá pelos anos 70, com a inauguração da Eletroradiobraz (que era o nome do Pão de Açúcar 24 Horas naquela época), o que o futuro reservava para o meu enorme quintal, começava a ser desenhado.
O que era bairro de alegres famílias, cresceu explosivamente, junto com a cidade: placas, faróis, clínicas, lojas, escritórios, farmácia, carros e gentes, aos montes.
E a minha rua, que era tão minha, ganhou sinalização de mão única, que eu fazia questão de ignorar, até a segunda multa de trânsito por entrar na contramão. Foi então que percebi, finalmente, meu quintal fazia parte do resto da cidade.
Texto de Ruy Marques publicado no Guia Sul de Ribeirão - Edição Dez 2007

Um comentário:

  1. E a cidade invadiu seu quintal sem avisos previos ou notificacoes...me lembro bem de um pouco dessa paz naquela parte da cidade...passavamos noites adentro andarilhando de um lado para o outro...nos anos 70, quando eramos jovens aspirantes do jornalismo...

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