terça-feira, 27 de outubro de 2009

Maria Sanz Martins

Recebi hoje, via e-mail, da minha prima Carmen Cagno, um texto daqueles que além de gostarmos, gostaríamos de ter escrito. Na sabedoria de uma avó, essa escritora Maria Sanz Martins, coloca todos os conselhos para se viver os dias que nos cabem sobre a face da terra.
Não resisti, fui ao google e descobri o Blog desta escritora de Vitória - ES, que certamente vamos conhecer mais e mais. Passem por lá e saboreiem o texto que tanto me encantou.
http://www.noprovador.com.br/
Da minha precoce nostalgia
Por Maria Sanz Martins
Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de Porto, dizer a minha neta:
- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado e sente-se aqui ao meu lado. Tenho umas coisas pra te contar.
E assim, dizer apontando o indicador para o alto: - O nome disso não é conselho, isso se chama corroboração!
Eu vivi, ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas conclusões. E agora, do alto dos meus 82 anos, com os ossos frágeis a pele mole e os cabelos brancos, minha alma é o que me resta saudável e forte.
Por isso, vou colocar mais ou menos assim:
É preciso coragem para ser feliz. Seja valente.
Siga sempre seu coração. Para onde ele for, seu sangue, suas veias e seus olhos também irão.
E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e obrigação.
Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer crescer, mas escolha entre ser uma grande menina ou uma menina grande, vai depender só de você.
Tenha poucos e bons amigos. Tenha filhos. Tenha um jardim. Aproveite sua casa, mas vá a Fernando de Noronha, a Barcelona e a Austrália.
Cuide bem dos seus dentes.
Experimente, mude, corte os cabelos. Ame. Ame pra valer, mesmo que ele seja o carteiro.
Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse feito..."
Tenha uma vida rica de vida.
Vai que o carteiro ganha na loteria - tudo é possível, e o futuro é imprevisível.
Viva romances de cinema, contos de fada e casos de novela.
Faça sexo, mas não sinta vergonha de preferir fazer amor.
E tome conta sempre da sua reputação, ela é um bem inestimável. Porque assim, as pessoas comentam, reparam, e se você der chance elas inventam também detalhes desnecessários.
Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho ou status.
A sabedoria convencional recomenda que você se case com alguém parecido com você, mas isso pode ser um saco!
Prefira a recomendação da natureza, que com a justificativa de aperfeiçoar os genes na reprodução, sugere que você procure alguém diferente de você. Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no
olfato e desconfie da visão. É o seu nariz quem diz a verdade quando o assunto é paixão.
Faça do fogão, do pente, da caneta, do papel e do armário, seus instrumentos de criação. Leia.
Pinte, desenhe, escreva. E por favor, dance, dance, dance até o fim, se não por você, o faça por mim.
Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação, sempre fizeram o melhor que puderam, e sempre farão.
Cultive os amigos. Eles são a natureza ao nosso favor e uma das formas mais raras de amor.
Não cultive as mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa tudo cinza.
Era só isso minha querida. Agora é a sua vez. Por favor, encha mais uma vez minha taça e me conte: como vai você?

ACERTAR-A-MOSCA

Era índio-moço/ambição e quis se tornar grande arqueiro. Busca/procura mestre-arqueiro, que lhe diz - primeira coisa é aprender não-bater-mais-cílios. Que a vida lhe seja farta/fértil, agradece, s´inclina/toca-peito, coração.

Por tres anos se exercita esse moço/homem. As pálpebras tinham se esquecido, já, do instintito/músculo de fechar-se, abertas até-mesmo-ao-dormir, quando agora-homem se apresenta, de novo, ao mestre. E, logo confirma - deve aprender a OLHAR; se conseguir ENXERGAR uma coisa minúscula, do tamanho de uma montanha, volte a-mim.

O homem amarra com fio-de-cabelo/mosca e se posta diante a fixar só/fixa/mente: ela. Passados tres dias era ainda a mosca. Porém, depois, tres semanas após, estava grande como borboleta/flor/gafanhoto. Final do terceiro ano, ele via a mosca tão-maior - um tapir. "Consegui", pensou o homem, (sentiu-se) iniciado.

Saiu/seguiu-caminho e as pessoas lhe pareciam árvores, as capivaras colinas, as antas serras. Assim treinou/esmerou muitobem seu olho que podia centrar qualquer alvo. Mais: acertar/colocar uma segunda flecha no término da primeira, uma terceira na extremidade da segunda, e daí-afora, até que entre o alvo e o arco se formasse uma linha-compacta de flechas enfiadas umasnasoutras. Ponto àquele chegado, pens-consciente, duvida... Para vir-a-ser o maior arqueiro, mestre-arqueiro-de-todos, deveria eliminar o próprio (seu) mestre/guia.

N´uma tarde, luz oblíqua tange/tinge, estando pelo prado/periferia da aldeia, notou o antigo mestre vindo em-para-si. Rapidíssimo, desperta/arco/levanta e o tomou na mira.

Percebendo (pré-sabendo) o movimento, por sua vez, o mestre empunha/embraça o arco para responder/revide.

Duelo-de-morte: a precisão do tiro é tal, de parte e outra, que as duas flechas se encontram no-meio da trajetória. NO AR. E caíram (ambas) por terra. "Como?" Somos tantos os grandes arqueiros, neste mundo!, e o (já) então grande arqueiro virá-a-saber de um mestre ainda-melhor que o primeiro. Velho/indio-iluminado. Santo/sábio/supremo, era O-perfeito.

Encontrá-lo em seu hermo/solidão, alto de um monte, é tarefa-que-pede tres anos, luas-contadas. Selva-rios-distância. Pacientespera. Sacrifício/vontade/certeza.

Se apresenta atirando n´uma revoada de pássaros espantandos/espalhados que revoam, atravessa/matando sete deles, única flecha, um tiro apenas. Aos-pés dos dois. O velho contempla sorrí. Generoso/generumano, compreende.

Voa/passa uma garçaltíssima, o mestre põe uma flecha invisível n´um arco também invisível/inexistente e a alcança/abate/derruba, inexorável chão. Espanto-de-clamar! Completa/comenta, língua de boca-que-não-fala/transmite: enquanto depender arco/flecha para atingir o alvo (e) usar olho para VER, não será preciso, nunca será arqueiro, na verdade nem será.

Age em-neste-tanto; com o dito, feito/findo. Deciso - seguro - o velho mestre assume de força das mãos do recém-chegado, o arco (ora não-jamais necessário) e o rompe/destrói, mandando pedaços quase-brutal ao precipício-não-vejo-fundo, lá, alma/âmago do mundo.

Indica mesmo gesto, completo O-sublime, lugar-único que ocupou/possuiu/serviu por tantas estações/gerações, quantas? E da vida se ausenta afastando-se/adentrando destinos misteriosos sagrados/segrêdos novos-novos da floresta. Natureza só com ele íntima, na razão de abrir passagem afastar galhos, índio-velho, imperioso/intima/ensina real-posto onde estivera sempre, longe dos homens para melhor entender sua poucamente fraqueza/banal angústia, a meditar/consolação (se há) nesta visão infinita de verde verde verde, águas grandes, gritos cantos urros, morte e vida. Putrefato nascimento: até o fim, até quando o próprio SOL, à espera dos-que-virão, um dia, quem sabe (êle mesmo), não comece a se apagar/envelhecer.

(Cine/conto-zen para Sebastião e Michelangelo) de Jirges Ristum