segunda-feira, 22 de junho de 2009

Antes do Dia Partir

O que valeu a pena hoje? Sempre tem alguma coisa.
Um telefonema. Um filme...

Paulo Mendes Campos, em uma de suas crônicas
reunidas no livro O Amor Acaba, diz que devemos nos
empenhar em não deixar o dia partir inutilmente.
Eu tenho, há anos, isso como lema.

É pieguice, mas antes de dormir, quando o
dia que passou está dando o prefixo e saindo do ar,
eu penso: o que valeu a pena hoje?
Sempre tem alguma coisa. Uma proposta de trabalho.
Um telefonema. Um filme.
Um corte de cabelo que deu certo.
Até uma briga pode ter sido útil, caso tenha
iluminado o que andava ermo dentro da gente.

Já para algumas pessoas, ganhar o dia é ganhar mesmo:
ganhar um aumento, ganhar na loteria, ganhar um pedido
de casamento, ganhar uma licitação, ganhar uma partida.

Mas para quem valoriza apenas as mega-vitórias, sobram
centenas de outros dias em que, aparentemente,
nada acontece, e geralmente são essas pessoas que
vivem dizendo que a vida não é boa, e seguem cultivando
sua angústia existencial com carinho e uísque,
mesmo já tendo seu super apartamento, sua bela esposa,
seu carro do ano e um salário aditivado.

Nas últimas semanas, meus dias foram salvos por detalhes.

Uma segunda-feira valeu por um programa
de rádio que fez um tributo aos Beatles e que me
arrepiou, me transportou para uma época legal da vida,
me fez querer dividir aquele momento com pessoas que
são importantes pra mim.

Na terça, meu dia não foi em vão porque uma pessoa que
amo muito recebeu um diagnóstico positivo de
uma doença que poderia ser mais séria.

Na quarta, o dia foi ganho porque o aluno de uma
escola me pediu para tirar uma foto com ele.

Na quinta, uma amiga que eu não via há meses ligou me
convidando para almoçar.

Na sexta, o dia não partiu inutilmente só por causa de
um cachorro-quente.

E assim correm os dias, presenteando a gente com uma
música, um crepúsculo, um instante especial que
acaba compensando 24 horas banais.

Claro que tem dias que não servem pra nada,
dias em que ninguém nos surpreende, o trabalho não
rende e as horas se arrastam melancólicas, sem falar
naqueles dias em que tudo dá errado:
batemos o carro, perdemos um cliente
e o encontro da noite é desmarcado.

Pois estou pra dizer que até a tristeza
pode tornar um dia especial, só que não ficaremos
sabendo disso na hora, e sim lá adiante, naquele lugar
chamado futuro, onde tudo se justifica.
É muita condescendência com o cotidiano, eu sei,
mas não deixar o dia de hoje partir inutilmente
é o único meio de a gente aguardar
com entusiasmo o dia de amanhã.
Martha Medeiros