sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Riberão Preto, Letra A

Breve roteiro da memória amorosa da cidade a partir da primeira letra do alfabeto.

A ROMANA - Bar na esquina da Cerqueira César com Francisco Junqueira, freqüentado pela turma de jornalistas do extinto Diário da Manhã e do jornal O Diário, nos idos de 1975, 1976 e 1977. Seu Brás, com um sorriso de ponta a ponta, era quem recebia a turma e marcava o fiado. Os jornalistas Tony Beer, Cláudio Dias, Rubens Volpe, Sidnei Quartier, Ana Maria Sampaio, Misael de Oliveira, Aldinha de Oliveira e Fernando Braga, entre outros, eram freqüentadores. Ali nasceram namoros que deram em casamento, e depois em separação. Depois da Romana o séquito ia bater papo no Norte-Sul da Costa e Silva, com jurubebas e carne seca. Era cult dar uma passada pela UGT - União Geral dos Trabalhadore na Baixada, onde sempre havia gente do povo e uma santa gafieira. Era comum terminar a noite tomando a canja dos Três Garçons ou do Cacique. Sem medo. Se na seqüência o sol porventura nascesse, a felicidade era completa.

ALMIR COSTA - Almir, conhecido como Gaivota, poeta, músico, cantor e compositor. E um grande pintor. Sedutor, como todos os grandes artistas, teve também um destino romântico. Morreu jovem, aos 40 anos, depois de uma vida dedicada às artes. Irmão da cantora e compositora Thaís Costa.

ANTONIO ACHÊ SOBRINHO - Filósofo da década de 1970, que, a despeito desse passado, jamais entrará para a História ou escreverá livros. Fez discípulos, como Sócrates, ao redor de bucólicas fogueiras nas madrugadas ingênuas do alto da cidade.

ANTONIO CLARET FILHO - Pai da coluna Galhofadas, publicada, durante décadas, nos principais jornais de Ribeirão. Dono de um humor raro e fino, sempre discretíssimo na vida pessoal. Tão discreto que passa despercebido, apesar desse talento especial e para poucos.

ÁLVARES CABRAL - Endereço do Theatro Pedro II, o terceiro maior de ópera do país. Rua dos Pingüins, símbolo nacional da cidade. Da Única, aquela que fez o café que chegou a Moscou. Do primeiro edifício da cidade, o Diederichsen. Em 1968, palco de manifestações estudantis, no quarteirão entre a General Osório e a São Sebastião. Cachorros soltos, soldados hostis e jovens correndo em debandada, por uma causa. Uma juventude -- e uma causa -- que não existem mais. Rua do Domingão, um jornal alternativo e marcante criado em 1975 pelos jornalistas Sérgio de Souza, quixotesco abatedor de moinhos da mediocridade, e Benito Valenzi, bem-humorado e solerte colunista e repórter, assassinado tragicamente por um trombadinha no metrô de São Paulo. Rua onde concebi meu primeiro e meu segundo filhos na mesma casa do Domingão, velha, rústica e fantástica, de pé direito alto, no número 961. Foi o endereço por onde passaram também os jornalistas José Hamilton Ribeiro, inteligente e atilado repórter, iniciador de gerações na profissão; e João Garcia, brilhante escritor e autor de todas as boas pautas durante quatro décadas de convivência.

ÁLVARO COSTA COUTO - Pequena rua de um único quarteirão, entre a Bernardino de Campos e Nove de Julho, onde, na década de 1970, vivi com meus pais. As janelas do apartamento davam para o Leste. De lá vi, por anos seguidos, estrelas derradeiras e supostos discos voadores confundirem-se com o brilho do amanhecer. Neste único quarteirão, também, se estabeleceu, para curar drogados, uma residência de pastores à época apresentados como idealistas. Ironicamente, ou não, o núcleo ficou conhecido na cidade toda como a ‘Casa de Cristo’. O grupo conseguiu um feito que reputo como extremamente útil: revelou um grande talento do teatro de Ribeirão, José Maurício Cagno. Aos 15 anos, ele estreou fazendo o Cristo na peça Maranata, um musical inspirado em Godspell, apresentado em todo o Sul do país. O grupo viajava de ônibus, dormindo em chão de igrejas e casas de evangélicos. Muito romântico. Assim, chegou até o Uruguai. E foi na passagem por Porto Alegre, em dezembro de 1975, que eu, na época atriz e cantora da peça, descobri que Deus existia. Uma das companheiras de elenco, Maria Luísa Baúso, caiu doente. Ficou prostrada, com febre altíssima. Ninguém sabia o que era e os mais radicais achavam que não era preciso procurar ajuda médica, bastava rezar. Eu via o estado crítico dela e clamava por socorro divino e também por um médico. E ele apareceu.
Deu as caras através do cardiologista e clínico geral Newton Pedro de Camargo, de Ribeirão Preto, que estava lá para um congresso e apareceu no teatro gaúcho para ver a nossa peça. Doutor Newton foi simplesmente divino: levou Maria Luísa direto para o hospital. Ela estava com meningite e teria morrido se ele – Deus em pessoa – não tivesse interferido.
Texto de Rosana Zaidan publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07 

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