quarta-feira, 24 de junho de 2009

Praça das Bandeiras: um ponto de intersecção

Memórias, quem não as tem? Mas o que verdadeiramente fazer com elas? Eu respondo rápido. Deliciar-se.
Como é bom lembrar, nem só de coisas boas, mas de tudo. A lembrança pode até ensinar. E como aprendo com as minhas.
Em especial quero escrever sobre a Praça das Bandeiras, esta que fica bem de frente com a Catedral. Ela aparece em minha memória principalmente em sua versão noturna, menos movimentada, com poucos transeuntes. Quando ainda estudante de jornalismo, morando em Bonfim Paulista, a Praça das Bandeiras era meu ponto de intersecção. Da Unaerp até ela e dela até Bonfim. Este era meu percurso em algumas noites da semana.
Forço agora, para lembrar-me exatamente porque naquela época (1989/1992) não sentia qualquer medo de estar ali, às vezes, perto da meia noite, sentada no banco esperando o ônibus, em algumas ocasiões, sozinha. Não sei ao certo se a violência não era tão alarmante, se eu era mais corajosa ou se minhas preocupações em como conquistar o mundo aprisionavam o medo em uma área periférica do meu cérebro. De qualquer forma, é certo que medo eu não tinha e, mais certo ainda, é de que hoje eu tenho. De todas essas lembranças uma é mais exibida e pede sempre para ser contada.
Acontece que a rotina cria amigos e eu já era amiga de todos os motoristas de ônibus da empresa Rápido D’Oeste que fazia a linha Ribeirão/Bonfim. Tantas e quantas vezes naquele ônibus imenso só seguiam, eu o motorista e o cobrador. Chegava até me constranger o ônibus ter que ir para Bonfim somente pra me levar, mas o motorista explicava que comigo ou com trinta passageiros ele teria que fazer a última volta. Como imaginar o que estava por vir? Respondia perguntado um deles.
E é verdade. Da Praça das Bandeiras até Bonfim tinham, e acho que ainda tem, umas vinte paradas, como saber se alguém esperava ou não? Só mesmo percorrendo todo o trajeto. E assim o presente ia vagarosamente se tornando passado.
Certo dia, ou seja, noite, eu esperava pelo ônibus, como sempre, sentada no banco com um livro aberto. O lia com a dificuldade daqueles que enxergam pouco porque a luz era escassa, as árvores eram imensas e o sono era malvado. Minha distração na leitura manteve-me de cabeça baixa e não percebi a aproximação do ônibus. Se o perdesse, ir para Bonfim naquela noite, somente de táxi, era o último. Mas como disse, era amiga dos motoristas. E o daquela noite era, entre todos, o mais especial, tanto que ele não teve dúvida. Antes de virar a esquina na rua Visconde de Inhaúma, parou sua jardineira, tirou metade do corpo para fora ficando dependurado pela haste de metal e gritou.
_Hein, Adriana, está esperando alguém além de mim? Corri como ninguém para não fazê-lo esperar muito. Depois rimos da condição de motorista particular que às vezes ele se colocava.
Mas é assim que me lembro da Praça das Bandeiras. Um lugar que um dia foi tranqüilo.
Texto de Adriana Silva publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07

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