sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Cartão Executivo, O Peixe Urbano de Ontem

Matéria na revista Exame de 08 de setembro de 1982.
 Em 1982 eu trabalhava no Stream Palace Hotel como gerente de marketing. Naquela época, há quase 30 anos, o maior problema da hotelaria era o mesmo de hoje em dia – a baixa taxa de ocupação. Hotel bom é aquele que tem a maior taxa de ocupação. Para elevar a taxa de ocupação de um hotel, a melhor estratégia é vender os períodos de baixa ocupação. Para os hotéis que estão nos centros empresariais, o período de baixa ocupação são os fins de semana; para os hotéis que estão nas praias ou montanhas, geralmente é o inverso, a baixa ocupação é durante a semana, nos dias úteis.
Pensando nisso, eu e o Saranti Sarantopoulos criamos o Cartão Executivo, um cartão cujo objetivo era vender os períodos de baixa ocupação em lotes de diárias com preço de custo. Nossa ideia era simples, quase primária. O hóspede acabaria usando os bares e restaurantes do hotel e ainda divulgaria o hotel.
Na verdade, a ideia não era exatamente nossa, porque nos inspiramos em companhias aéreas estadunidenses que vendiam seus "assentos" (os que continuavam vagos a 15 minutos do horário do vôo) por até 10% do valor da passagem.
A base de tudo isso é uma só: a certeza de que todo produto é perecível. No caso do avião, a perda é instantânea: fechada a porta do avião, todos os assentos vazios “perecem”.
 A diária de hotel tem validade de 24 horas, o que, na prática, significa de 12 a 16 horas (são raros os apartamentos que passam a ser ocupados entre meia-noite e seis da manhã).
Estou contando toda essa história, fazendo comentários, porque esse nosso projeto de quase 30 anos atrás, é o princípio básico da ideia do Peixe Urbano, que já gerou tantos similares e faz muito sucesso nos dias de hoje via internet.
O mundo mudou, as ferramentas de comunicação se multiplicam diariamente, mas, tirando a releitura, a roupagem e a maquiagem, os princípios ainda são os mesmos. Um hotel continua precisando ocupar todos os seus apartamentos, uma companhia aérea continua precisando ocupar todos os seus assentos e por aí afora, uma vez que tudo tem seu prazo de validade.

Carlos Drummond de Andrade


"O difícil não é fazer 
mil gols como Pelé. 
O difícil é fazer 
um gol como Pelé".

No jornal, no dia seguinte do rei Pelé ter feito o seu miléssimo gol.

Alexandre O´Neill

O amor é o amor - e depois?! 
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..

O meu peito contra o teu peito,
...cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!

Alexandre O'Neill

Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill (Lisboa, 19 de Dezembro de 1924 - Lisboa, 21 de Agosto de 1986), ou simplesmente Alexandre O'Neill, descendente de irlandeses, foi um importante poeta do movimento surrealista.
Autodidacta, O’Neill foi um dos fundadores do Movimento Surrealista de Lisboa. É nesta corrente que publica a sua primeira obra, o volume de colagens A Ampola Miraculosa, mas o grupo rapidamente se desdobra e acaba. As influências surrealistas permanecem visíveis nas obras dele, que além dos livros de poesia incluem prosa, discos de poesia, traduções e antologias. Não conseguindo viver apenas da sua arte, o autor alargou a sua acção à publicidade. É da sua autoria o lema publicitário «Há mar e mar, há ir e voltar». Foi várias vezes preso pela polícia política, a PIDE.

Alexandre O'Neill

Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

Rabino Nilton Bonder

OS DOMINGOS PRECISAM DE FERIADOS
Feriados - dia de respeito e atenção a si e à vida... Toda sexta-feira à noite começa o shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino, no sétimo dia da Criação.
Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo. A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.
Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.
Hoje, o tempo de 'pausa' é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações 'para não nos ocuparmos'. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio.
Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo...
Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim.
Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa.
O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado...
Nossos namorados querem 'ficar', trocando o 'ser' pelo 'estar'. Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI - um dia seremos nossos?
Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante. Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos...
Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção. O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair: - literalmente, ficar desatento; - é um dia de atenção, - de ser atencioso consigo e com sua vida.
A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é: 'o que vamos fazer hoje?' - já marcada pela ansiedade.
E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de Domingo. Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande 'radical livre' que envelhece nossa alegria – o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.
Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas.
Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar. Afinal, por que o Criador descansou?
Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.

A Alegria do Povo

"Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios." Carlos Drummond de Andrade sobre Mané Garrincha no dia seguinte da morte do gênio (Magé, 18 de outubro de 1933 - Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1983).