quarta-feira, 15 de julho de 2009

Pedro II, Pingüim I

Durante o dia, o centro é um mafuá de pombos. Não me refiro às aves e seus dejetos, mas à agitação que faz de meu labirinto uma roda gigante. Aliás, se pombo fosse, cuidaria de freqüentar o local à noite, quando o centro ganha os ares europeus pelos quais nossos barões tanto investiram. Sem a sanha dos passantes e ambulantes, a praça abdica do povo para dar lugar ao sonho de uma Paris tropical, com todas as diferenças que a analogia possa suscitar.
Particularmente aos sábados, nos diletos dias de sinfônica, tenho naquele espaço o que esta cidade produz de melhor para meu gosto e sensibilidade: o concerto no Pedro II. Testemunhei o teatrão ser chamuscado, acompanhei a novela de sua reconstrução e, por isso, julgo que tenho hoje o direito de usufruí-lo. Portanto, evite as poltronas um e três da fileira C na platéia: elas têm donos virtuais (sim, a patroa me acompanha na empreita) e é de onde vamos ouvir as apresentações.
Caipira de Franca, foi ali que estreei meu primeiro concerto, com susto pela abertura de O Guarani, que costuma surpreender os desavisados com seus pratos e tímpanos. Foi ali também que conheci muita gente boa, como Schumann, Tchaikovsky e Guerra Peixe. E, por conclusão, descobri também que o mundo ainda tem jeito. Tudo isso por módicos dez reais, quando muito. Dez reais pela qualidade de uma diversão que não há dinheiro que pague.
Melhor! Sobra mais para, ao final do espetáculo, correr menos do que alguns metros para garantir uma mesa no Pingüim. Com sorte e tempo bom, ficamos no mezanino de fora, com total visão dos garçons, da praça e da galera da orquestra. Estes últimos (realmente o são, porque chegam sempre depois) trazem suas caixas imensas, seus paramentos desconstruídos e aquelas caras de santos, como se não houvessem feito uma arte daquelas.
À mesa, temos ainda companhia. Rachmaninoff, Mozart e Bach continuam a tagarelar suas notas. Após o terceiro chope, gelado e necessário, porém não derradeiro, proponho um brinde à vida, ao prazer e à música. E metido a besta como um jacu que se supõe no Deux Magots, aproveito o tilintar das tulipas para arriscar um palpite:
- Escuta! Os copos soam em si bemol, como o zumbido das cigarras!
Ainda bem que nessa hora os pombos estão dormindo.
Texto de Hamilton de Andrade Lemos publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07

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