quarta-feira, 22 de julho de 2009

A vida era alegre, naquele tempo


A gente chegou a Ribeirão Preto e desceu na estação da Mogiana com o coração batendo. A estação era imensa e bonita, lotada de gente desconhecida.
Com a mala de papelão sem fecho, amarrada com uma cordinha de sisal, a gente desembarcou da segunda classe de bancos duros de madeira e seguimos a recomendação dos mais velhos: não conversar com ninguém e olhar só para a frente. Atravessamos o rio e passamos por dentro do Mercado Municipal que ficava bem defronte e tinha frutas brilhantes e cheirosas -- maçãs de doente de hospital, uvas, peras, bananas, mamões...
Aí, passada a tentação, subimos rumo à pensão já encomendada na rua Tibiriçá, passando pela rua General Osório com suas lojas repletas de novidades: chapéus, galochas, guarda-chuva, capas de chuva, canivetes e roupas de todo tipo. A pensão era igual a todas as pensões e fomos acostumando, trabalhar de dia e estudar de noite.
De tarde, a gente tomava chope no Pingüim, pardais chilreando e o consumo marcado pelas "bolachas" deixadas pelo garçom. Dali se via o Hotel Umuarama, o prédio mais alto da região que mostrava caracóis verdes e vermelhos no alto, novidade do néon importado e que garantia a segurança dos aviões. Cinema era no Pedro Segundo; no moderno Cine Centenário, no centro da cidade, ou nos bairros -- cada bairro tinha um cinema.
Depois do cinema, sanduíche de pernil no Urubatan, na Álvares Cabral, regado a molho generoso de tomate. Lá para baixo, na rua José Bonifácio, as putas acenavam das janelas oferecendo amor, gonorréia e outras doenças, castigo para o coração e pinto juvenis, tudo curado a ferro e fogo. Com o tempo, a gente descobriu as putas da rua São Paulo e da Vila Carvalho. Pegava um táxi "Biriba" na Amador Bueno, esquina da Drogasil, e todos para a vida alegre de mulheres competentes e doces implorando "paga um Cuba, meu beimr?", mostrando pernas e seios apetitosos para nossa insaciedade juvenil. Depois de horas de amor, rumo ao "Três Garçons" na avenida Saudade para comer ensopado de cascudo ou uma feijoada com as meninas, naquela hora puras e simples, sentadinhas e comportadas à mesa, repuxando os vestidos e recordando mães e irmãs que deixaram em Minas, dando beijos na boca da gente e jurando um amor eterno que nunca passou daquele fim de noite...
Na outra noite a gente voltava. Ribeirão era o centro do mundo naquele tempo. E era muito bom...
Texto de Victor Cervi publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07