domingo, 15 de agosto de 2010

O Impala do Meu Pai

Quando tinha uns 11, 12 anos de idade, quase todas as noites, meu pai deixava que eu guardasse o carro na garagem. Era um carro importado, comum na época, um Impala da Chevrolet, azul e branco, bem bonito e charmoso, grande como a grande maioria dos veículos e automático, isso é, só tinha acelerador e breque.
Nas primeiras vezes, meu pai ficava junto comigo, depois começou a ficar só assistindo a meu jeito de executar a tarefa e, por fim, começou a me deixar a guardar o carro sozinho. Nessa mesma época, meu tio Hugo, pediu para guardar um dos carros lá em casa. Meu primo, Hugo, seu filho, que é 4 anos mais velho que eu, era quem ia guardar o carro lá em casa.
Eu morava na rua Quintino Bocaiúva, entre as ruas São José e Marcondes Salgado e o meu primo, morava na rua São José, quase na esquina da rua Rui Barbosa.
Numa noite, no horário de sempre, pedi a chave para meu pai, saí, liguei o carro e, como já vinha fazendo há algum tempo, fui pela rua Quintino Bocaiúva, desci a rua Marcondes Salgado, virei na rua Bernardino de Campos e quando estava chegando na esquina da rua São José, passou o meu primo Hugo com o fusquinha azul da minha tia Chiquinha. Eu buzinei, embalei e fui atrás do Hugo, todo feliz com o fato de estarmos os dois dirigindo.
O Hugo virou na rua Quintino Bocaiúva e, embalado como vinha, entrou na garagem da minha casa. Eu, todo metido, não tive dúvida, vim atrás no mesmo ritmo e entrei na garagem com vontade. A diferença é que o Impala era duas vezes maior que o fusquinha e, não teve jeito, entrei com a porta na mureta do portão da garagem. Não satisfeito, mais que depressa, engatei ré e tentei tirar o carro, aí a coisa ficou feia, raspou toda a lateral esquerda do carro.
Ouvi lá dentro a minha mãe berrando com meu pai:
– Viu Gilberto, eu te falo, criança não pode dirigir!
Meu pai saiu, não falou uma palavra. Ligou o carro, guardou e nunca mais me deu a chave. Até porque, logo depois mudamos de Ribeirão Preto e o meu pai nunca mais teve carro na sua vida.

Carlos Drummond de Andrade


"Ser feliz sem motivo 
é a mais autêntica 
forma de felicidade."

Rumi

Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.

Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.

Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.