sábado, 31 de outubro de 2009

KeRoL de Maria Sanz Martins

Gente, mais um pouco de Maria Sanz Martins. A Foto e o texto foram tirados do Blog  de Maria Sans, e o endereço do Blog você encontra no final do texto. Conheça essa menina, porque ela é muito competente e vai longe.

Disse “thank you”, ajeitou a roupa, deu com as costas e saiu andando. Tentava esconder o sorriso – o que, na verdade, era bastante difícil por que suas bochechas largas lhe transbordavam a cara.
Rir de si mesma foi uma lição que Carolina aprendeu tarde, mas que agora exercitava com maestria. Por mais constrangedora que fosse a situação, Carol não deixava de se sentir tranqüila, nem de sorrir dos próprios tropeços com desafetação.
Havia acabado de descobrir, pela voz de uma doce senhorinha que estava na fila para usar o orelhão, que estava à mostra sua calcinha – *sim, acontece nas melhores famílias: a moça vai ao toalete apressada e quando sai, não se dá conta de que está exposta por que, acidentalmente, a barra da saia ficou presa no elástico da roupa íntima.
Já fazia mais de meia hora desde que Carol havia usado o banheiro, o que significava que todo o percurso pelo saguão do aeroporto, desde o check-in, passando pelo balcão da cafeteria, até o telefonema no orelhão, havia sido feito com a saia daquele jeito – ok, ficar com o derrière de fora não é nenhuma tragédia, mas é certamente uma branca humilhação. Ria ela, sozinha, de si mesma, então.
Esperava o vôo que a levaria de volta ao seu país. Há anos Carol não via seus pais ou seus amigos. Nos quatro anos em que passou morando fora, Carol engordou seis quilos, amou dois homens, fez três tatuagens e deixou a profissão de dentista para ser baixista de um grupo de jazz que se apresentava cinco vezes por semana.
Seus olhos ainda eram castanhos esverdeados e seu signo ainda era escorpião, mas, de resto, muita coisa havia mudado. Já não era mais a menina que todos chamavam de Carolina. Estava acostumada a ser chamada de Kerol – (mais ou menos como os americanos pronunciavam Carol).
Era agora uma mulher que carregava em si a marca da certeza de que não queria ser perfeita.
Carolina sempre fora uma princesinha. Desde pequena, muito simpática, falante e bonita. E, ainda na escola, aprendeu a manejar o truque de enfeitiçar a todos com seu inato carisma. Era popular, inteligente, tinha cara de boneca e olhos densos, num verde escuro estilo bola de gude.
Era, sobretudo, uma menina competitiva e não admitia perder sequer um par-ou-impar. Não media esforços para manter o título de melhor da turma, do time e da rua. E não tinha mesmo pra ninguém. Ela tirava as melhores notas da sala, era artilheira nos campeonatos de handball e a inveterada campeã do concurso anual de rainha da primavera da rua onde morava.
Ficou mal acostumada com o gosto da vitória e da admiração que causava. Seus pais, que não viam qualquer problema em seu comportamento, sem querer incentivavam na menina um certo bafo de perfeição. E, assim, cresceu atada à idéia de ser a melhor, a mais querida e a mais bonita.
Mas, os anos se passaram e ela logo entendeu que ser ‘uma simpatia’, a melhor tenista do clube, dentista de primeira e muito bonita, não era nenhuma garantia. Ao contrário, Carolina sentia sobre os ombros um peso que já não queria. Rasgou inteira a fantasia de princesa, comprou uma passagem de avião e voou para longe.
Queria reinventar a identidade que sua memória lhe oferecia. E mesmo sob o risco de sentir-se desprevenida, parou de tentar se achar todos os dias, e escolheu Nova York para perder de vez as perguntas e respostas que já conhecia.
Agora, puxando a mala de mão vermelha para embarcar de volta no avião, lá vai Kerol - ex-dentista, ex-modelo-de-beleza, ex-menina perfeita. Feliz e muito mais sabida. Aprendeu a graça de ser imperfeita e a tirar de letra as pequenas armadilhas da vida.

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