terça-feira, 26 de maio de 2009

O Texto Inédito da Fátima Chaguri


No ano passado, pedi para a Fátima um texto para o Guia Centro de Ribeirão, segunda edição. Ela prontamente enviou-me o texto e, como sempre, disse que não estava muito bom e tal e coisa.
O Guia foi publicado em Julho e, por um erro meu, o texto da Fátima não saiu. Fiquei triste, mas, desde então, fico imaginando que ainda vou usar esse texto em algo que possa homenagear essa amiga e cidadã ribeirãopretana de coração.

O Centro em mim
Pensei muito antes de iniciar minha lida com este texto. Queria escrever sobre o centro da cidade, objetivamente, mas Ribeirão Preto é minha cidade e não é possível pensá-la sem mim.
Como dizer do mercado municipal, o “mercadão”, sem sentir o cheiro de manhã de domingo e sem sentir a mão de meu pai tomando a minha mão para irmos até ele, a pé? Lá eu ganharia a maçã mais linda, a “da bruxa da Branca de Neve”, ou então um pedaço de melancia ou mesmo um copo de vitamina.
Como dizer da Rua General Osório sem dizer dos sábados à noite, quando meu pai, minha mãe, meu irmão Maurício e eu íamos ver vitrines? Encontrávamos famílias fazendo o mesmo programa. Sabia de cada ladrilho das calçadas, dos luminosos e dos espelhos. Na subida, passeávamos pela direita até o Cine Centenário. Parávamos na Camisaria Affonso para meus pais avaliarem sua cria. Eles ficavam muito ali. Na volta, íamos admirar a fonte luminosa da praça XV, comprar pipoca, tomar sorvete nos Lanches Paulista, passear pela Lojas Realce, Chapelaria Olímpica....
O tempo passando, minha cidade se modernizando, e eu fui crescendo nas filas do cinema, comendo lanche nas Lojas Brasileiras, comprando LPs na Discolar, assistindo às missas da Catedral, visitando o Serv-Lev, o primeiro supermercado da cidade.
Como não dizer da rádio PRA-7, sem falar que lá o papagaio do meu tio Sílvio ganhou um prêmio porque disse Tyressoles? Como não falar dos carnavais sem dizer das bisnagas com água que levávamos conosco para ver o carnaval de rua na General Osório e na Praça XV?
Como dizer da biblioteca Altino Arantes e Padre Euclides, onde folheávamos livros e os líamos, sem mencionar o Seu Guerino, proprietário da Livraria A Acadêmica que, apaixonado pelos livros, ensinava-nos o prazer de abrir um deles e morrer de vontade de lê-lo?
Como dizer de educação sem lembrar o Otoniel Motta e o Segundo Grupo, sem lembrar o Colégio Auxiliadora e o Santa Úrsula, sem lembrar a força dos professores e a seriedade dessas instituições, desde os tempos da saia pregueada e das meias três quartos?
Como não dizer do jornalismo no tempo de Ribeirão com 100.0000 habitantes, sem mencionar o jornal A Cidade, o Diário de Notícias, O Diário, o Diário da Manhã, onde meu irmão André escrevia na coluna forense?
Parafraseando Drummond, digo que ficou um pouco de mim no Cine Suez, onde dei meu primeiro beijo; um pouco de mim no Cine Centenário, onde, nos reclames iniciais, se apresentavam meu irmão Zé Carlos e Mário Lorenzato, fazendo propaganda da Camisaria Affonso; no Cine São Jorge, cuja instalação elétrica foi feita pelo tio Jairo e tio Nico; no Cine Pedro II, o “Pedrão”, que deixou de ser teatro para me deixar conhecer filmes como “2001, uma Odisséia no Espaço”. Estou nos prédios e os prédios estão em mim.
Sempre soube da tese de que o espaço geográfico interfere na identidade do homem e ele, por sua vez, também interfere no espaço. Odisséia, de Homero, já apresentou Ulisses voltando a Ítaca, seu espaço, ele mesmo. Mas só hoje percebo isso de perto. Volto-me à minha Ribeirão e volto a mim mesma. Volto ao Centro e estou comigo.

2 comentários:

  1. Muito gostoso ler Fátima Chaguri! Felizes daqueles, que puderam compartilhar com ela a vida. Beijo bom e Viva! Fátima!

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  2. Lígia Sartorato Maggioni17 de março de 2010 às 22:18

    Ficou um muito de você nas nossas vidas, Fátima.

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